Brasileiro acusa policiais chilenos de agressão - Terra - Mundo: "Domingo, 26 de abril de 2009, 15h24
Brasileiro acusa policiais chilenos de agressão
Alejandra Matus
Direto de Santiago (Chile)
Neste fim de semana, duas assessoras do Secretário Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil, Paulo Vannuchi, chegaram ao Chile para solicitar antecedentes sobre a citação do cidadão brasileiro Gilmar Andrade Santos, que acusou policiais chilenos de tê-lo agredido brutalmente durante uma detenção, após um incidente doméstico.
Uma delas, a advogada Bartira Nagado, revelou a Terra Magazine que veio ao Chile junto com outra assessora do ministro Vannuchi, Cristina Cambiaghi, para participar das audiências públicas da Corte Interamericana de Direitos Humanos - que acontecerão esta semana em Santiago - e que o ministro lhes solicitou que 'também se encarreguem deste assunto e se encontrem com algumas pessoas relacionadas ao caso'.
Gilmar Andrade, de 28 anos, seria primo do ex-jogador da seleção brasileira Vampeta. Contudo, em contato por telefone, o jogador Vampeta disse não ter lembrança de um primo com este nome, mas que iria se informar sobre o ocorrido. Gilmar deixou o seu trabalho como cozinheiro em centros turísticos em Salvador, Bahia e foi para o Chile há 8 meses, após ter começado um relacionamento amoroso com uma chilena.
No último 2 de abril, depois de uma discussão com a sua esposa, um grupo de policiais chegou ao seu domicílio no bairro Las Condes em Santiago. Conforme revelaram a Terra Magazine fontes ligadas ao caso, na condição de anonimato, 'a esposa de Gilmar disse à policia que estava tudo bem, mas quando os agentes tentaram verificar separando ela dele, o rapaz se alterou e resistiu atingindo com um golpe o sub-tenente responsável pelo procedimento, Ingmar Castillo. Gilmar teria atingido com um golpe o funcionário e isso motivou a sua detenção. Os policiais o levaram algemado'.
No dia 3 de abril, em torno de 19 horas, Gilmar foi levado ao pronto socorro do Hospital Penitenciário (que pertence ao sistema prisional), onde foi realizado o controle médico de rotina pelo qual passam todos os detentos antes de entrar na prisão. Nesse lugar, foi detectado 'um derrame pleural no pulmão esquerdo, que resultou ser um hemotórax (hemorragia dentro da cavidade pleural)', conforme consta nos relatórios oficiais do caso. A hemorragia foi drenada, porém, ele perdeu quase um litro de sangue. Por isso, foi detectado que ele estava com uma abrupta anemia aguda.
Nesse lugar, Gilmar Andrade revelou ao pessoal que estava de turno que após a sua detenção foi levado ao consultório Ariztía no bairro Las Condes, onde um médico certificou o seu bom estado de saúde, e que 'posteriormente, foi levado a um lugar isolado e solitário onde os policiais o agrediram com socos e pontapés. Também o insultaram e ameaçaram deportá-lo, dado que ele está em situação legal no Chile com visto de trabalho'.
O rapaz declarou aos médicos que os policiais o deixaram algemado com as mãos para atrás, e deitado no chão de cimento de um calabouço, durante toda a noite. No dia seguinte, sem permitir que ele entrasse em contato com a sua esposa, o levaram à Delegacia de Polícia, dentro de um veículo, e fizeram que ele vestisse roupas grossas e abrigadas, apesar dos mais de 30 graus de calor que fazia naquele dia, sem dar a ele água nem comida.
Os médicos do Hospital Penitenciário ordenaram a sua hospitalização e, no dia seguinte, como as radiografias mostravam uma imagem anormal no mediastino (parte média do tórax), foi enviado à Posta Central (o principal serviço de urgência público do Chile) para que lhe fizessem uma tomografia. Ali ele foi notificado de que estava em liberdade.
Juan Carrillo, médico particular que trata Gilmar, relatou a Terra Magazine que nesse centro médico foi descoberto 'um grande hematoma mediastínico e uma provável laceração da aorta na altura do arco aórtico. Por essa razão, foi enviado ao Instituto do Tórax, para confirmar o diagnóstico e realizar o procedimento. Nesse centro foi confirmada a presencia de um hematoma mediastínico, mas pelo que parece descartaram a lesão da aorta torácica, pelo qual mantiveram uma conduta conservadora e o mantiveram na Unidade de Tratamento Intensivo até a quinta-feira 9 de abril'.
Nesse dia, embora continuasse com uma anemia severa, lhe deram alta sob a sua responsabilidade, pois ele insistia em voltar para a sua casa. Nos dias posteriores teve que ser internado pelo menos duas vezes, após apresentar complicações, e somente na sexta-feira 24 deu alta do Hospital El Salvador.
No entanto, adverte o doutor Carrillo, 'o jovem apresenta evidentes sinais de sofrer de stress pós-traumático agudo severo e esta patologia não foi tratada adequadamente pelos serviços de saúde que o atenderam'.
Gilmar apresenta fantasias paranóicas e, cada vez que estava hospitalizado, se agitava pensando que a polícia chegaria para levá-lo para os centros médicos. Conforme disseram a Terra Magazine fontes ligadas ao caso, 'o quadro de angústia que vive o jovem se agrava com o fato de que os policiais que o detiveram passam na frente da sua casa com certa frequência e inclusive o sub-tenente Castillo bateu a sua porta em uma ocasião, alegando que precisava tirar fotografias do lugar'.
Gilmar também tirou as sobrancelhas e cortou parte do cabelo da cabeça, conforme disse aos seus familiares, para que a policia não o reconhecesse na rua.
O Centro de Saúde Mental e Direitos Humanos, Cintras - uma ONG especializada em prestar atendimento médico psicológico a pessoas que foram vítimas de violações dos direitos humanos durante a ditadura militar - interveio no caso para prestar assistência psiquiátrica ao brasileiro. No entanto, o advogado defensor dos direitos humanos, Hugo Gutiérrez, já solicitou à justiça que seja investigado o possível abuso de força policial durante a sua detenção.
Em uma carta destinada ao diretor do Hospital El Salvador, a diretora clínica do Cintras, a psicóloga Marcela Sandoval, e o psiquiatra que está tratando de Gilmar, o doutor José Luis Tejada, revelaram tê-lo atendido no dia 13 de abril e que na avaliação médica 'foram encontradas evidentes manifestações de um transtorno por stress agudo, com fenômenos de re-experimentação, insegurança, reação de estresse agudo e agitação psicomotora. Do ponto de vista médico, continuava com preocupantes manifestações do seu quadro torácico, para nós agravando-se'.
Os profissionais expressaram o seu temor de que 'as complexidades tanto médicas quanto médico-psiquiátricas e psicossociais' do caso 'poderiam estar obstruindo o melhor tratamento das suas complicações médicas-cirúrgicas, razão pela qual se recomendou uma avaliação médica em um serviço de urgência'. Isto significa, conforme fontes ligadas ao caso, que a sua conduta alterada dificulta o tratamento de suas lesões médicas.
'Como órgão de Saúde Mental e Direitos Humanos, continuamos com a preocupação neste caso, dado que estariam envolvidos agentes do Estado na origem do trauma. A sua família, que também está altamente angustiada e ansiosa, foi até o nosso centro para pedir apoio', dizia a carta do Cintras.
Carrillo, o médico que o trata, adverte que se bem foi dada a alta, teme que as lesões tornem a complicar-se, pois não foram tratadas como deveriam. O Cintras e Carrillo enviaram os antecedentes ao governo brasileiro.
A enviada do governo brasileiro, Bartira Nagado, revelou o ministro Vannuchi se reunirá esta semana com o embaixador chileno no Brasil, 'mas ainda não tenho mais informações ao respeito'. No entanto, fontes próximas ao caso no Chile dizem que nesse encontro o ministro expressará a sua preocupação com o caso de Gilmar Andrade.
Nagado e Cambiaghi se reunirão no Chile com os médicos e psiquiatras que atenderam Gilmar Andrade, e tomaram as providências necessárias para reunir-se com a vítima e, também, com a sua família. Nagado, assessora internacional de Vannuchi, disse que não pode antecipar quais medidas poderiam ser tomadas pelo governo brasileiro, pois 'é necessário conhecer de perto os acontecimentos relatados antes de dar um parecer'.
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